Com um debate sobre “O Direito Humano à Comunicação no Brasil”, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias, Amarc Brasil, deu início ao seminário da região Sudeste para discussão de um novo marco regulatório das comunicações e uma nova lei para as rádios comunitárias. Desta primeira mesa participaram o representante do Intervozes, João Brant, e o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Dênis de Moraes. Na platéia, 80 pessoas representando mais de 20 rádios comunitárias ediversos movimentos, incluindo representantes da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias em São Paulo, a Abraço.
O professor da UFF abriu os trabalhos fazendo um panorama das leis de comunicação na América do Sul. Segundo ele, é possível visualizar um “eixo da esperança” em países como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador, sem falar em Cuba. Essa esperança viria por conta das práticas nesses países de quebra do monopólio da mídia e do fomento por parte do Estado para que o direito à comunicação seja democratizado. Isso pode ser visto na lei de Meios Audiovisuais da Argentina e na lei Antimonopólio do Uruguai. Além disso, a Venezuela vem fazendo grande investimento em comunicação comunitária e o Equador vêm financiado atividades de comunicação e cultura em diversas regiões do país sem mercantilizá-la, sem a participação de empresas.
Como paralelo ao que vêm fazendo os países vizinhos, Dênis apontou como falta de vontade política as atuais práticas do governo brasileiro com relação à democratização da comunicação. Um dos exemplos citados pelo professor foi concentração de 75% da verba de publicidade do governo brasileiro em apenas 10 grandes empresas de mídia. Segundo ele, esta atitude fortalece ainda mais o cenário de monopólio. Para que haja mudanças no atual cenário, ele ressaltou a importância da mobilização da sociedade civil para o assunto.
Em seguida, João Brant iniciou pontuando a questão da liberdade de expressão. Para o representante do Intervozes não se pode dizer que uma rádio comunitária com alcance de 1 quilômetro tem a mesma liberdade de expressão que uma rádio comercial que atinge quase todo o estado. Neste sentido, ele ressaltou a necessidade de que o estado garanta igualdade de condições, o que não vem sendo feito pelo governo. “Vivemos uma situação de opressão, marginalização e confinamento. O Ministério hoje naturaliza e trata a lei atual como se fosse um fim de percurso. O governo precisa estar inquieto enquanto este direito não for atendido, isso não acontece.”, afirmou João.
Também foi ressaltado por João o caráter anacrônico da lei brasileira, uma das únicas no mundo a punir penalmente quem pratica radiodifusão em baixa potência sem autorização. João fez um calculo que somando os 25 watts de potências das 4500 rádios comunitárias outorgadas, teríamos 112.500 watts. Esta potência, que é a soma de todas as rádios comunitárias, é menor do que a de uma rádio comercial de São Paulo. Para finalizar, ressaltou sobre a necessidade de um novo marco regulatório que “não deve ser para acabar com a liberdade, mas sim garanti-la”.
Dando continuidade ao seminário, a parte da tarde reuniu a representante do Artigo 19, Camila; o coordenador da Abraço São Paulo, Jerry de Oliveira; o representante nacional da Amarc Brasil, Arthur William; e o coordenador substituto de Rádio Comunitárias do Ministério das Comunicações, Carlos Gold.
Camila iniciou o debate falando da importância de o Brasil pautar seus procedimentos legais com relação à comunicação tendo como base os acordos internacionais assinados pelo país. Segundo ela, “um dos incisos da OEA que defende a liberdade de expressão diz que não se pode cercear a liberdade de expressão através de uma regulação excessiva e que priorize determinados grupos. As rádios comunitárias são colocadas como de segunda classe em nossa lei.”
Já Jerry de Oliveira comparou a lei brasileira para as rádios comunitárias às práticas do nazismo: “Hitler pediu que judeus se identificassem, nós nos identificamos como rádios fazendo todos os pedidos de concessão e nos identificando. Depois ambos são jogados no gueto, o campo de concentração para judeus e a frequência única para as rádios. Depois, Hitler queimou os judeus, e o governo vai acabar com as rádios com o rádio digital.”.
O representante da Abraço São Paulo ressaltou a importância de exigir financiamento do governo para as rádios comunitárias, tendo em vista que para as comercias recebem cerca de 1,8 bilhão por ano.
Em seguida, Carlos Gold expôs alguns pontos relativos a cessão de outorgas e às dificuldades de renovação e outros trâmites. Segundo ele, o ministério tem investido em capacitação para processos de outorga, tendo em vista que muitos são arquivados por problemas na documentação. Gold afirmou ainda que desde 2011 o ministério tem dado transparência e maior celeridade no andamentos dos processos e facilitando a comunicação com as rádios.
Arthur William da Amarc Brasil iniciou sua fala expondo a necessidade de políticas públicas para as rádios comunitárias. Segundo ele, “Muitos ministérios têm projeto para democratizar e dar sustentabilidade às rádios comunitárias. Enquanto isso, a maior política pública do Ministério da Comunicações é criminalizar as rádios comunitárias em cima de uma lei criada num dos piores momentos da democracia brasileira, no governo FHC em 1998 no meio das privatizações das teles.”.
Além disso, o representante nacional da Amarc ressaltou que norma criada pelo ministério das Comunicações como forma de complementar a lei “só piorou o que já era ruim”. Para Arthur, uma nova lei “tem de se basear na lei de complementaridade como a da Argentina para garantir isonomia no espectro”. E afirmou ainda que, com relação à discussão do rádio digital, adotar um dos dois padrões que estão sendo testados significaria a morte das comunitárias por conta dos altos preços de seus transmissores. Nem rádios de pequeno porte do interior poderão se manter. Como participante do Conselho Consultivo do Rádio Digital, ele propôs que a Amarc dialogue com todo movimento de comunicação, numa frente ampla, levando as discussões deste coletivo para dentro do conselho.
Após a fala de Arthur, foram abertas inscrições e falas para o plenário. Durante este momento foram muitas as manifestações da necessidade de mudança na lei atual. Muitos comunicadores expuseram o fato de estarem sendo processados e as perseguições que sofrem em suas rádios. Foi ressaltada a importância de dar sustentabilidade para as rádios e de políticas públicas neste sentido.
Em seguida, os participantes se dividiram em grupos de discussão para apontar os princípios que devem nortear um novo marco regulatório. As discussões dos grupos foram sistematizadas e serão juntadas às discussões e propostas já realizadas nos outros seminários para, em seguida, serem entregues no Congresso Nacional e no Ministério das Comunicações como proposta do movimento de rádios comunitárias para uma nova legislação.
Pedro Martins – secretário executivo da AMARC Brasil.