Instituto de Estudos Socieconômicos (Inesc) divulgou, na última segunda-feira (11), uma pesquisa que revela o “desmonte generalizado de políticas sociais” realizado pelo Governo Federal desde que Jair Bolsonaro (PL) assumiu a presidência em 2019. De acordo com o estudo “A Conta do Desmonte – Balanço Geral do Orçamento da União”, o desfinaciamento proposital de políticas públicas ao longo dos últimos três anos fez “o Brasil retroceder no combate às desigualdades e na preservação dos direitos humanos”.
Entre os dados orçamentários levantados pelo relatório, destacam-se os relativos aos serviços de saúde, educação, habitação, meio ambiente e de promoção da igualdade. No campo da saúde, por exemplo, a pesquisa indica uma perda de R$ 10,7 bilhões no orçamento da pasta de 2019 até hoje. Além disso, em 2021 – o pior ano da pandemia, com 396 mil óbitos registrados de janeiro a dezembro – os recursos para enfrentar a Covid-19 tiveram uma redução 79% em relação ao ano anterior.
A situação se repete também nas áreas de assistência para crianças e adolescentes e de educação infantil. De acordo com o estudo, a primeira perdeu R$ 149 milhões entre 2019 e 2021, o que equivale a 39% do que foi gasto na área no último ano. Já a segunda, teve seu orçamento diminuído mais de quatro vezes desde o início do governo: os R$ 446 milhões executados em 2019 viraram R$ 100 milhões em 2021.
No que diz respeito aos gastos com políticas públicas para a conservação do meio ambiente, o relatório ressalta que o orçamento executado em 2021 foi o menor dos últimos três anos. Foram empregados apenas R$ 2,49 bilhões para todos os órgãos ambientais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama, ICMBio, Jardim Botânico), incluindo também o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (FNMC). Em 2019 e 2020 os gastos foram de R$ 3 e 4 bilhões, respectivamente.
Segundo o Inesc, a dificuldade para executar o orçamento disponível para as políticas ambientais é resultado direto da falta de pessoal e da nomeação para cargos de confiança de pessoas sem experiência e sem capacidade para conduzir a política de fiscalização territorial.
Desigualdade
Sobre as políticas públicas destinadas ao combate à desigualdade, “A conta do Desmonte” revela que a execução financeira dos serviços de promoção da igualdade racial, realizados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos diminuiu mais de oito vezes nos últimos anos, passando de R$ 17,6 milhões em 2019 – gasto que, na realidade, obedeceu ao planejamento orçamentário da gestão anterior – para apenas R$ 2 milhões (de R$ 3,3 milhões disponíveis) em 2021. Os cortes também atingiram os recursos direcionados a ações para as mulheres, que caíram 46% de 2021 para 2020.
O estudo ainda aponta que entre 2020 e 2021, período em que o Brasil conviveu com um déficit habitacional de mais de seis milhões de moradias, o governo federal não alocou nenhum centavo para serviços de habitação de interesse social.
No mesmo sentido, as verbas destinadas para combater o trabalho infantil caíram 20 vezes: foram executados R$ 6,7 milhões em 2019 e somente R$ 332 mil em 2021. De acordo com o relatório, cerca de 1,8 milhão de crianças brasileiras encontram-se, hoje, em situação de trabalho infantil. Assim, o gasto do governo equivaleria a não mais que 19 centavos por criança para o ano.
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Quanto aos povos indígenas, o estudo do Inesc aponta que, nos últimos três anos, 45% dos recursos gastos na ação orçamentária destinada a proteger e demarcar os territórios indígenas foram destinados à indenizações e aquisições de imóvel. Sobre este ponto, o Instituto sublinha que o dinheiro executado pela Funai, que deveria garantir a proteção territorial e fazer avançar a demarcação, foi utilizado justamente para beneficiar os invasores dessas terras.
De acordo com o Inesc, todos os dados apresentados no relatório foram extraídos do SIGA Brasil, sistema de informações sobre orçamento público criado pelo Senado Federal e disponível a toda população.
Retrocesso
Para Livi Gerbase, assessora política do Inesc, os prejuízos causados pela gestão de Jair Bolsonaro no cenário econômico foram “gritantes”, a ponto de configurar “uma nova década perdida, tão nefasta como o que aconteceu nos anos 80”.
“Cortar o orçamento para os empobrecidos apenas para validar uma política fiscal austera é desresponsabilizar o Estado de sua obrigação de promover e garantir direitos e uma vida digna para a população que mais precisa”, afirmou Gerbase.
Na mesma linha, a coordenadora da assessoria política do Instituto, Nathalie Beghin, afirma que “o Brasil andou para trás” desde que Bolsonaro assumiu o Executivo.
“Ao alimentar uma falsa dicotomia entre vida e economia, mas sem ‘salvar’ nenhuma delas, o mandato de Jair Bolsonaro: deixou mais de 660 mil pessoas morrerem de Covid-19 – boa parte dessas mortes evitáveis; jogou milhares na extrema pobreza e no desemprego; e baixou consideravelmente o poder de compra das(os) trabalhadoras(es) ao deixar a inflação descontrolada”, concluiu.
Mudança
Entre as medidas recomendadas pelo Inesc para reverter a deterioração da economia brasileira estão: eliminar o Teto de Gastos (Emenda Constitucional 95/2016) e revisar as regras fiscais aplicadas no país; expandir as políticas públicas de geração de emprego e renda; eliminar o Orçamento Secreto e limitar as emendas de relator assegurando transparência; e controlar o choque de juros visando uma contração monetária menos recessiva.
O Instituto também elenca cinco pilares fundamentais para promover a cidadania plena no país. São eles: o financiamento do Estado com justiça social; a mobilização do máximo de recursos disponíveis, com o direcionamento da maior parte das despesas públicas para investimentos sociais, ambientais e climáticos – e não para pagamento da dívida externa; a realização progressiva dos direitos humanos; a não discriminação e a promoção de igualdade; e a participação social no desenho de todas as políticas e do orçamento da União para assegurar a transparência e o controle social.