No domingo 400.000 pessoas chegaram na Praça de Maio de Buenos Aires para festejar o Dia da Democracia e dos Direitos Humanos. Inicialmente foi previsto celebrar também a plena vigência da nova Lei de Meios, aprovada já em 2009 mas até hoje parada parcialmente por um liminar. Surpreendentemente, a plena aplicação da lei não aconteceu porque uma corte de apelação decidiu trés dias antes que primeiro deve ficar esclarecido de uma vez por por todas, se a Lei está de acordo com a constituição.
A maior parte da população não tem dúvidas sobre tal constitucionalidade, a Lei tem um apoio popular muito grande. Os que estão contra podem ser poucos, mas poderosos ao mesmo tempo. Sobretudo o grupo empresarial Clarín que controla a maioria das frequências de rádio, TV e a rede de cabo deseja tirar um artigo controverso, o 161, que, entrando em vigência, obrigaria a grande midia comercial a ceder licenças. Somente dessa forma poderia ser cumprida a lei, que fala de uma triparticação das frequências em partes iguais entre midia comercial, pública e sem fins de lucro.
Ontem, na Praça de Maio, a presidenta Cristina Kirchner reiterou o seu compromisso com a nova Lei, que, segundo ela, sempre existiu porque “era preciso renovar profundamente esse poder que ditadura após ditadura, governo após governo seguia fazendo parte de um setor que seguia se beneficiando.” Enquanto continua a batalha jurídica, organizações de rádios comunitárias como a FARCO e representantes da AMARC Argentina, insistem que esse conflito não impede de realizar os outros artigos da Lei. Santiago Marino, professor da Universidade de Quilmes e consultor do programa de legislação da AMARC conta, por exemplo, que somente no mês de Novembro 100 rádios não-comerciais ao Norte da Argentina receberam licenças. “Isso poderia ser feito três anos atrás. Mas antes tarde que nunca.”, diz Marino, que acha importante defender os interesses das rádios comunitárias, que muitas vezes nem são mencionadas por causa do conflito polarizado entre o governo argentino e a mída comercial. Os leitores brasileiros que quiserem um exemplo desse tipo de cobertura, somente precisam abrir o jornal “O Globo”. Lá, todo o debate argentino se reduz a um pretenso ataque contra a liberdade da expressão – termo que O Globo usa como sinônimo de interesses da midia comercial. Liberdade significa nesse sentido, não ter que respeitar a legítima existência de outra midia e outras maneiras de fazer midia.
A boa noticia, além de todos os problemas com a realização da Lei de Meios na Argentina, na verdade são duas: 1. Existe uma nova Lei democrática que assegura uma numerosa existência de rádios comunitárias. 2. O pensamento de atores como Clarín é minoritário já e considerado coisa do passado, graças a militância de comunicadores livres e comunitárias, diversas organizações sociais e também o governo. Lógico, o governo peronista de Cristina Kirchner tem que viver as consequências de desafiar a grande mídia no dia a dia, sendo o alvo constante de críticas ácidas, muitas vezes sem sustentação. Mas essa experiência não deveria impedir o Governo Brasileiro de guiar com mais vontade o processo de um novo marco regulatório da mídia por aqui. Já hoje leva bofetadas constantes do Globo e Cia. O que temer então? Em vez de tolerar essa atitude de forma quase masoquista, alternativamente poderiam viver essa hostilidade, sabendo que fazem algo pelo bem da sociedade…
Mas seria possível trasplantar a experiência da Argentina aqui para Brasil? Santiago Marino tem as suas dúvidas. “Na Argentina teve uma janela de tempo, uma oportunidade política que foi aproveitada”, diz ele e agrega: “mas sendo honesto, também é um fato que o movimento sozinho durante muito tempo e apesar de muitos esforços não o conseguiu.” Por isso, o conselho para as rádio comunitárias do Brasil é se manterem ativas, criarem uma base de apoio ampla, colaborarem com organizações de Direitos Humanos internacionais e revindicarem todas as resoluções da UNESCO que têm a ver com a liberdade de expressão. “Na Argentina foi a briga entre o governo e Clarín que ajudou bastante. Mas no momento em que começou esse conflito, também pudemos fazer uso de todo nosso trabalho politico e da nossa militância. Assim, surgiu uma Lei bastante boa, ainda com problemas e deficiências, mas um boa Lei. Agora, perguntando como se pode criar isso em outro espaço, até mesmo eu, sendo Argentino devo confessar: não sei.”