Inconformados com o resultado do segundo turno das Eleições 2022, desde a noite de domingo (30), grupos de apoiadores do candidato derrotado à presidência da República, Jair Bolsonaro (PL), têm promovido interdições e bloqueios ilegais de rodovias em todo país. Contudo, ao longo da semana as manifestações têm perdido força e o tráfego na maioria das vias têm sido restabelecido.
De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), até esta quinta-feira (3), 876 manifestações haviam sido desfeitas e apenas 73 pontos de interdição permaneciam. Segundo a corporação, na manhã desta quinta, 19 estados já não apresentavam mais ocorrências.
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Na última segunda-feira (31), o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a corporação e as polícias militares estaduais tomassem as medidas necessárias para desobstruir as vias. Além disso, ainda nesta semana, o Ministério Público Federal (MPF) pediu que a Polícia Federal (PF) investigue o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, sobre possível omissão em relação aos bloqueios e sobre as blitz realizadas durante o segundo turno das eleições.
De acordo com o MPF, se comprovada a omissão, o diretor da PRF – que chegou a declarar apoio a Bolsonaro durante as eleições – pode responder pelo crime de prevaricação que, segundo o artigo 319 do Código Penal, corresponde à situação em que o funcionário público retarda ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou age contra regra expressa em lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista na lei é de detenção de três meses a um ano e multa. Ainda conforme o MPF, Silvinei também pode responder por “crimes praticados por invasores de rodovias”.
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De forma mais clara do que no breve discurso oficial feito na última terça (1), na quarta-feira (2) o presidente Jair Bolsonaro divulgou um vídeo nas redes sociais apelando a seus apoiadores para que desobstruam as rodovias.
Na opinião da cientista política e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart, a capacidade de resistência e reverberação das manifestações bolsonaristas tende a diminuir nos próximos dias. Em primeiro lugar, porque “são frequentadas e construídas por segmentos minoritários, que são esses segmentos mais extremados da sociedade”. Segundo Mayra, tais grupos “não representam a opinião da maioria”.
A coordenadora do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (LAPPCOM) acrescenta que a ausência de representantes políticos nos bloqueios – como prefeitos, vereadores e demais lideranças – também contribui para o enfraquecimento das mobilizações.
Sobre a atuação das instituições brasileiras, em especial do Judiciário, a pesquisadora destaca que, embora atrasada, a reação de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aos “arroubos” dos bolsonaristas também contribui para a dissolução do movimento nas ruas.
“As instituições demoraram muito a reagir a Jair Bolsonaro de maneira geral. Quando ele era deputado federal, por vários momentos ele quebrou o decoro e não foi punido por isso. Quando ele foi presidente da República, por vários momentos ele cometeu vários tipos de ilegalidade e não foi punido por isso. Porém, agora na reta final parece que o TSE e o STF passaram a reagir mais aos arroubos de Bolsonaro e dos bolsonaristas. Então eu acredito que as instituições estão comprometidas em fazer o possível para que essas manifestações sejam pacíficas e eu acredito que elas vão passar”, disse à Pulsar.
“Trabalho subterrâneo”
A cientista política Clarisse Gurgel, também concorda que os atos bolsonaristas contra os resultados das eleições devem “se diluir” em breve. Contudo, a professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) alerta que as mobilizações da extrema-direita brasileira devem perdurar e se estender no tempo “de uma maneira invisível”.
“É importante destacar que esse ‘perdurar’ é um perdurar que vai encontrar limite, vai se dissolver, vai se diluir e vai atuar no subterrâneo para depois ter essas aparições. Esse é o perigo maior. Eu acho que o recado principal do Bolsonaro é esse: eles estão aí e vão perdurar. O fascismo é um resíduo que fica sempre como um elemento reserva para, quando necessário, reocupar as ruas e ganhar visibilidade”, detalhou à Pulsar.
Em relação ao suposto esforço do atual presidente para convencer seus apoiadores a abandonarem as rodovias, a cientista política explica que trata-se de “uma prática comum na política” para o ganhar tempo e “negociar certos perdões e livramentos” dele e de seus pares políticos junto a representantes do parlamento e do Judiciário. Nesse ponto, Gurgel ressalta que ao mesmo tempo que Bolsonaro apela para a desobstrução das vias, ele “joga [a decisão] para a torcida”.
“É um trabalho articulado entre o espetáculo e os bastidores. Quando Bolsonaro colher o máximo que ele conseguir dessa dramaturgia, ele vai para o subsolo, para o subterrâneo e vai contar também com os seus pares que estão ocupando lugares estratégicos hoje, principalmente no Congresso Nacional”, concluiu.