Neste domingo, dia 13 de fevereiro, é comemorada a 11ª edição do Dia Mundial do Rádio. Proclamada pela Unesco em 2011, a data remete à criação da Rádio ONU, no dia 13 de fevereiro de 1946, e celebra os mais de 100 anos do chamado “avô das mídias”.
Em 2022, o tema do Dia Mundial do Rádio é “Rádio e Confiança”. De acordo com a Unesco, mesmo com o avanço tecnológico das últimas décadas, o rádio segue como um dos meios de comunicação mais confiáveis e usados no mundo. Uma pesquisa da Deloitte Touche Tohmatsu revelou que, em 2019, cerca de 3 bilhões de pessoas continuavam a utilizar o rádio como fonte de informação.
No Brasil, as primeiras transmissões de rádio são atribuídas ao cientista e educador Roquette-Pinto, em 1922, e aos integrantes da “Rádio Clube Pernambuco” que, ainda de forma experimental e sem grande repercussão, realizaram uma transmissão inédita em 1919.
De lá para cá, o rádio tem se consolidado como o companheiro diário de milhares de brasileiras e brasileiros em casa, no transporte e até nos locais de trabalho. Segundo pesquisa do Kantar Ibope Media, 80% da população nas 13 regiões metropolitanas do país segue atenta às programações das emissoras radiofônicas. Dos ouvintes, três a cada cinco escutam rádio todos os dias.
Segundo informações da Secretaria de Radiodifusão do Ministério das Comunicações (MCom), o Brasil conta hoje com mais de 10 mil emissoras de rádio FM e AM, sendo aproximadamente 3,9 mil FM, 1,2 mil AM e mais de 4,7 mil rádios comunitárias. Para tratar especificamente da importância destas últimas, a Pulsar Brasil conversou com comunicadoras e comunicadores comunitários que há anos se dedicam a contribuir com a organização popular e a luta por direitos através das ondas do rádio.
Educação e Cidadania
Com mais de 30 anos à frente de microfones e mesas de som, a pernambucana Manina Aguiar conta que teve a vida transformada desde que participou da fundação, em 1989, da Rádio Cultural Muribeca, emissora ligada ao extinto Conjunto Habitacional Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife.
“O contato com a rádio comunitária mudou completamente a minha visão de cidadania. Passei a acreditar ainda mais na mobilização e organização popular e no poder que o povo tem quando se junta pelos seus direitos”, comentou à Pulsar.

Como experiência marcante, Manina recorda a atuação da Rádio Cultural junto à comunidade na luta pelo direito à moradia quando o Conjunto Muribeca foi interditado e demolido pelos órgãos públicos locais.
“Com muita luta nós conseguimos garantir uma ressarcimento da Caixa Econômica [Federal] e conseguimos comprar outros apartamentos e casas. Mas isso é muito doloroso porque nós perdemos a nossa comunidade, a nossa história, a nossa trajetória de cidadania”, relatou a comunicadora que ainda lembrou de mutirões e ações coletivas organizadas pela rádio em tempos de crises e enchentes na região.
“Ela [a rádio] mudou radicalmente a minha vida enquanto ser humano. Hoje, por exemplo, eu trabalho no Centro das Mulheres do Cabo, no programa Rádio Mulher. Mas foi esse contato, essa experiência vivida no Conjunto Muribeca, que me fez chegar e acreditar também que através das ondas do rádio a gente pode, sim, amplificar as vozes das pessoas que lutam por direitos. Aquelas que são excluídas dos canais grandes e poderosos de comunicação, que não querem que os seus direitos sejam garantidos”, afirmou Manina.
Com onze anos no ar com o programa “Sala de Bate Papo”, na Rádio Comunitária Tupancy FM, em Arroio do Sal, Rio Grande do Sul, a jornalista Rose Castilhos também fez questão de destacar a aderência que o rádio ainda tem junto ao público brasileiro como instrumento de informação, educação e formação cidadã.
“Eu lembro muito de uma senhora de 86 anos que me ligou dizendo que era uma ouvinte assídua do meu programa. Ela disse que nunca pensou que iria aprender tanto depois de tantos anos ouvindo rádio e que o programa estava ensinado a ela como se cuidar, como envelhecer e como ‘ser mulher’. Na época, foi muito gratificante para mim saber que a gente consegue levar educação e informação para os ouvintes, o que é a função do rádio”, compartilhou a comunicadora.
Perseguição
Contudo, nem só de boas lembranças vivem as rádios comunitárias. Além dos poucos recursos, e da vulnerabilidade reforçada pela dificuldade de apoio jurídico e, em muitos casos, a proximidade com alvos de denúncias, a dificuldade para conseguir a concessão de outorga e a perseguição de órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem marcado a história de diversos radialistas comunitários.
É o caso de Piter Júnior, um dos fundadores da Rádio Comunitária Coité FM, em Conceição do Coité, interior da Bahia. Segundo ele, a programação da emissora já teve que ser interrompida três vezes por agentes da Anatel que invadiram o estúdio e levaram os transmissores da rádio.



Ao mesmo tempo que reconhece que foi através do rádio que pôde aperfeiçoar habilidades, construir valores e conquistar direitos sociais, Piter também lamenta que foi no trabalho como radialista que viveu uma das fases mais delicadas da vida. No dia 6 de março de 2015, a 1ª Vara de Subseção Judiciária de Feira de Santana condenou o comunicador, então dirigente da emissora, a dois anos de prisão, convertidos numa multa de dez mil reais e a prestação de serviço comunitário por operar a rádio sem concessão do Estado. Na época da condenação, completavam-se 18 anos desde o primeiro pedido de concessão de outorga encaminhado pela Coité FM ao Ministério das Comunicações.
“O fato marcante na minha história na rádio se deu principalmente quando eu recebi o comunicado que tinha que prestar depoimento junto à Polícia Federal em Feira de Santana. Isso mexeu com toda a minha estrutura familiar. Esposa, filhos… minha mãe ficou bastante triste e apreensiva. Porque como é que um filho dela, que sempre prezou pelos valores morais, estava correndo risco de ser preso? Ela não entendia essa prisão. Para ela eu estava sendo preso porque eu fiz algo de errado. No entanto, o “erro” era ter lutado por liberdade”, recorda o radialista.
Democracia
De acordo com Pedro Martins, jornalista e representante nacional da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), mesmo no atual cenário de convergência digital e digitalização das mídias, o rádio – e, em especial, as rádios comunitárias – possui um papel fundamental para a organização de diversas comunidades e povos em todo Brasil. Por meio dele, muitas destas comunidades se organizam e conseguem não só adquirir, mas também trocar informações e elaborar a própria comunicação.
Em relação ao Dia Mundial do Rádio, Martins defende que, mais do que especular sobre o fim ou não da mídia, “é importante ressaltar que a gente deve ocupar todos os meios” e que o rádio “é mais uma ferramenta que deve ser democratizada e acessível para todos os setores da sociedade”.
“Se não fosse importante, eu tenho certeza que todos os empresários de rádio abririam mão de suas concessões. Mas não é o que a gente vê. Pelo contrário, eles tentam acumular e continuam tentando diminuir os espaços da comunicação comunitária e popular”, argumenta o jornalista, que ainda acrescentou:
“A gente não pode abrir mão de nenhum meio de comunicação. Ainda mais no atual momento pelo qual o Brasil passa de desgaste da democracia com o governo de Jair Bolsonaro, que defende a ditadura e ataca os direitos humanos a cada declaração. É importante que a gente tenha todas as ferramentas, todos os meios de comunicação possíveis para também defender os direitos humanos e defender o direito de todas as comunidades que atuam no Brasil de terem voz e poderem se expressar”.
Fonte: agenciapulsarbrasil.org