Nesta segunda-feira (18), completa-se uma semana do falecimento de Chico Lobo, paulistano, produtor cultural e uma das maiores referências no Brasil quando o assunto é radiodifusão comunitária.
Considerado um dos precursores do movimento de rádios livres no país, Chico participou da fundação de centenas de emissoras, como as pioneiras Rádio Xilik e Rádio Dengue – ainda na década de 1980 – e as rádios Onze, Reversão, Muda e Noroeste de Campinas. A luta diária do ativista pela democratização da comunicação chegou a inspirar o enredo do filme “Uma Onda no Ar” (2002), do diretor Helvécio Ratton. O longa narra parte da história da fundação da Rádio Favela, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
A perda de Chico Lobo, na última segunda-feira (11), foi sentida em todo país por comunicadores, pesquisadores, militantes e amigos que conviveram com o radialista. Para Jerry de Oliveira, comunicador da Rádio Noroeste e companheiro de militância de Lobo desde 1990, o amigo representa “o nosso grito de liberdade nas ondas hertzianas”.
Em depoimento publicado nas redes sociais, Jerry destacou o trabalho incansável de Chico junto a movimentos e organizações sociais dispostas a defender a comunicação livre, democrática e popular:
“Chico rodou o Brasil montando rádios. Deu umas 2000 palestras para sindicalistas e militantes da comunicação livre. Foi o primeiro a construir conteúdo para todos nós”, recordou em postagem no Facebook.
Também através das redes, a jornalista e pesquisadora Marisa Meliani relembrou a disposição de “Febre Amarela” – nome de um dos irreverentes personagens representados por Chico na Rádio Dengue – para “atravessar as vozes oficiais da comunicação social por meio de um simples transmissor caseiro e muita coragem”.
“Chico levou centenas de pequenas rádios pelo Brasil. Ia ele e o transmissor em duas cadeiras de ônibus, uma para cada um. Hoje ele se foi e aposto que levou uma rádio livre para algum lugar do universo”, comentou Meliani.
O delegado federal aposentado e ex-chefe da Interpol em São Paulo, Armando Coelho Neto, também fez questão de saudar a vida do militante e amigo. Em artigo publicado no Jornal GGN, o autor do livro “Rádio Comunitária Não é Crime” afirma que “não há um capítulo na história da radiodifusão comunitária no país que se possa abrir mão do nome de Chico Lobo”.
“Chico transformou-se em visionário de muitas utopias, alimentou sonhos libertários criando espaço para que pequenas rádios pudessem cumprir um papel, que grandes emissoras mesmo se quisessem não conseguiriam. Afinal, a morte de um estadista de um país distante não seria mais importante do que a morte do gato do vizinho”, disse Coelho Neto.
Legado
Em nota divulgada ainda na semana passada, a Associação Mundial das Rádios Comunitárias (Amarc Brasil) também ressaltou a atuação de Chico Lobo ao longo da vida, com a “instalação de centenas de rádios livres e comunitárias por todos os estados do Brasil”. Contudo, além da firmeza política e da competência técnica, a associação destacou a contribuição do radialista para a formação de milhares de comunicadores comunitários e populares nas diferentes regiões do país.
“O que pouca gente sabe é que ele realizou mais de dezenas de cursos de produção radiofônica, militou no MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], implantando rádios em assentamentos em cinco estados, ensinou o uso de equipamentos de radio-segurança para os companheiros do Movimento, escreveu duas apostilas completas sobre radiodifusão comunitária”, explica a nota.
Leia mais: Amarc Brasil parabeniza a Rádio FM Comunitária de Independência por seus 25 anos
Na mesma linha, a radialista e pesquisadora de rádio e comunicação comunitária, Inês Amarante, comentou à Pulsar que Chico foi um dos primeiros autores de material didático voltado para radiocomunicadores comunitários no país com a apostila “Como montar uma rádio comunitária?”. Segundo ela, Chico Lobo “sempre foi extremamente instigante nas ideias absolutamente modernas dele” e preocupava-se com o legado para as próximas gerações.
Neste sentido, a comunicóloga alertou para a importância da preservação do acervo do radialista. De acordo com ela, além de materiais e registros históricos das lutas por democratização da comunicação no Brasil, o patrimônio deixado por Lobo ainda inclui conteúdos inéditos como, por exemplo, uma apostila que ele estaria desenvolvendo para realizar projetos de rádio com indígenas no interior do país.
“A nossa preocupação agora, além de curar a dor dessa ausência, é também recuperar esse material, publicá-lo, enviá-lo para fundações e torná-lo disponível para pesquisadores que virão porque o nome dele, Chico Lobo, é um nome muito importante e que deve ficar muito bem marcado na história da luta desenvolvida neste país pela democratização das comunicações, pela qualidade da comunicação democrática, popular, livre e pela liberdade de expressão”, pontuou Amarante à Pulsar.
Segundo a radialista, o devido resgate e valorização da obra de Chico seria uma forma de resgatar também seu caráter incansável e “uma parte da nossa alma libertária e do nosso encantamento” que se foi com a perda do ativista.