Depois de realizar seminários no Nordeste e no Sul do país para discutir uma nova legislação para as rádios comunitárias, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil) foi até Altamira no Pará realizar a etapa da região Norte deste ciclo de debates. A discussão ocorreu nos dias 24 e 25 do mês de agosto e contou com a presenção de mais de 20 rádios comunitárias da região Norte.
No primeiro dia o debate foi concentrado nos avanços e desafios da comunicação na Amazônia. Antes das falas dos componentes da mesa, Antônia Melo, presidenta da Rádio Nativa de Altamira e do movimento Xingu, fez uma fala alertando a todos sobre os problemas das obras da hidrelétrica de Belo Monte. Antônia classificou ao empreendimento como uma “obra monstra” por conta dos prejuízos ambientais e sociais que ela irá trazer para a região.
Já na mesa de debate, a professora da Universidade Federal do Pará, Rosane Steinbrenner, a coordenadora do Programa de Legislação da Amarc Brasil, Taís Ladeira, a participante do projeto Rádio educação de Santarém, Maria do Socorro, e a representante do Instituto Mamirauá, Ligia Apel compuseram a mesa de debate.
Rosane ressaltou o debate sobre a lei sob o viés da forma como se ordena a comunicação através destes mecanismos. Segundo a professora a lei brasileira é bastante limitada e impõe inclusive “o alcance da nossa liberdade de expressão”, que no caso das rádios comunitárias seria o limite do raio de 1 quilômetro, que representa ppouquíssimo espaço na Amazônia. Ela ressaltou ainda uma série de limitações impostas pela lei, como o caso da sustentabilidade das rádios que sequer podem arrecadar através da publicidade.
A história da Rádio Nacional na Amazônia foi o ponto levantado por Taís Ladeira. A comunicadora ressaltou as atuais limitações das rádios comunitárias que são ainda mais graves na região. Dificuldades como a impossibilidade de as rádios fazerem rede e o jogo de poder ao qual as outorgas são submetidas foram também mencionadas por Taís.
Ligia Apel e Maria do Socorro explanaram ainda sobre os projetos em que estão envolvidas. A formação de repórteres comunitários e do rádio educação foram expostos como pontos de suporte para novos comunicadores produzirem conteúdos com um olhar local das situações que vivem.
Para finalizar o evento, foram realizadas oficinas sobre software livre e jornalismo comunitário. Nesta última, a colaboração foi da Agência Pulsar, programa da Amarc Brasil que funciona como agência de notícias da entidade.
Sem uma nova lei as mudanças são ineficazes.
O dia 25 de agosto ficou dedicado inteiramente para o debate acerca de um novo marco regulatório para as rádios comunitárias. Além do acúmulo da discussão ocorrida no dia anterior, onde o papel das rádios comunitárias foi central, foi realizada na parte da manhã uma mesa com a presença do representante da coordenação de Rádios Comunitárias do ministério das Comunicação, o engenheiro Carlos Alberto Gold, e Taís Ladeira.
Taís abriu a discussão retomando questionamentos levantados pelos participantes do dia anterior. Neste ponto, a coordenadora de Legislação da Amarc Brasil comentou acerca das limitações de financiamento, alcance e até de frequência no dial das comunitárias impostos pela lei 9612. Além destas limitações, Ladeira expôs o problema acerca da fiscalização, que, segunda ela, tem um peso para as comunitárias e outro para as comerciais. Apesar da possibilidade de denúncia contra rádios comerciais ou pertencentes a políticos que operam de forma irregular, o jogo de poder de cada localidade pode expor o denunciante e, inclusive, colocá-lo em risco por conta da denúncia.
Em tom crítico, Taís concluiu dizendo que “não existe vida dentro da (lei) 9612. Provavelmente veremos várias tentativas de mudanças dela, isso pode ser feito, mas é necessário mudar sua concepção para que haja liberdade de expressão de verdade.”.
Os avanços na transparência e o no andamento dos processos das rádios foi o foco da fala de Carlos Alberto Gold. Segundo ele, a criação da coordenação de rádios comunitárias já se configura num grande avanço dentro do ministério.
Gold ressaltou que foi iniciado com o ex-coordenador Otávio Pieranti um trabalho político de tentar desfazer as travas das normas e que atualmente o trabalho volta-se mais para a questão operacional, afim de fazer com os processos tenham andamento e não fiquem paralisados por anos.
Além disso, Gold destacou algumas possibilidades que as rádios podem ter para captação de recursos através das associações que são responsáveis pela entidade. Ele ressaltou que a associação pode ter diversos outros tipos de atuação que inclusive arrecadem fundos para auxiliar e manter a rádio. Gold afirmou ainda que por mais que se critique, o ministério tem de fazer os procedimentos baseados na lei.
Em segida, o debate foi aberto para manifestações e perguntas dos manifestantes. A maior parte das manifestações tocou nas limitações impostas pela lei 9612 e na urgência por mudanças da mesma. Casos específicos de cada região também foram colocados, com destaque para a criminalização daqueles que fazem rádio comunitárias, como foi o caso do comunicador Tony Marques, que atualmente atua em Tucuruí e sofreu uma condenação penal pela sua atuação na rádio. Outro caso foi o da rádio Novo Tempo de Macapá (AP) que recebeu uma multa num valor inviável para a rádio pagar e, por conta disso, parou de receber recursos do fundo da prefeitura.
Para finalizar, Carlos Gold respondeu as questões que lhe foram colocadas baseando-se na lei e afirmou que para haver mudanças nesta lei há a necessidade de o legislativo se movimentar.
Taís Ladeira colocou a importância de o Brasil fazer valer os tratados internacionais que assinou e que defendem a liberdade de expressão e que determinadas restrições só deveriam ser colocadas da forma como são aqui quando hover risco à segurança nacional. Além disso, ressaltou a importância de fortalecer o estado para que possa garantir tecnicamente também a agilização de processos e o auxílio técnico necessário para as radios.
Na parte da tarde, os participantes se dividiram em grupos temáticos para discutir, baseado no documento da Amarc “Princípios para um marco regulatóriodemocrático sobre rádio e TV comunitária”, novas propostas para uma nova lei de comunicação no Brasil.Concepção e definição, financiamento, acesso tecnológico e o sistema de concessões foram discutidos e sintetizados no grupo. As ideias surgidas serão somadas aos debates dos demais seminários e sintetizados em um documento a ser entregue ao governo brasileiro como proposta de princípios para a nova lei de comunicação do país.
Pedro Martins – secretário-executivo da AMARC Brasil