É essa a mensagem da última reunião do Conselho Consultivo do Rádio Digital (CCRD) do dia 28 de Fevereiro. Ainda que ondas eletromagnêticas não respeitem fronteiras nacionais, o diretor de Acompanhamento e Avaliação de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Octavio Pieranti, argumentou que o Governo tem “a responsabilidade de garantir o bom uso dentro do território brasileiro”. Uma vez mais o debate do CCRD foi bem técnico (e também tem que sê-lo) mas ao mesmo tempo se articularam perguntas e preocupações que tangem ao seu uso e apropriação social.
Uma saudação desde Europa
Recordamos: São dois padrões de rádio digital com distintas características disputam ser escolhido como infraestrutura técnica para o Brasil, o DRM e o assim chamado HD Radio. Muitas vezes se fala somente do “modelo europeu” e o “modelo estadunidense” para distinguir os dois. Mas pouco importa a origem de uma coisa, sempre que seja boa. Numa carta entregue durante a sessão do CCRD, as duas grandes organizações de rádios comunitárias europeias, Amarc Europa e o Fórum Europeu de Mídia Comunitária (CMFE) argumentaram das vantagens de adotar um “padrão aberto” que garante uma ampla participação da sociedade no desenvolvimento de um sistema digital para além de interesses de lucro. Por isso recomendam usar DRM, mantido por um consórcio misto de instituições públicas e privadas invés do HD Radio, um padrão comercial fechado que até agora não apresentou uma proposta concreta para o setor comunitário. Na Europa, como consta na carta, rádios comunitárias na França e na Suecia já estão começando transmissões experimentais e testes com a última versão de DRM, o DRM+.
Novos testes
Apesar do Ministério estar consciente dos testes feitos no mundo inteiro, argumenta-se que ainda faltam informações, produzidas especificamente no Brasil sobre o funcionamento de ambos os sistemas. Até agora o Ministerio considera insatisfatorios os resultados e por isso defende a ideia de fazer novos testes. Para isso, o engenheiro do MiniCom, Flávio Ferreira Lima apresentou uma nova metodologia para comparar de uma maneira mais extensa os dois padrões em disputa. Considera-se além da criação de novos parâmetros dos testes uma comparação de dados produzidos em outros lugares e oferecidos pelo consórcio do DRM e a empresa do HD Radio, Ibiquity. Enquanto ainda são discutidas numa das quatro Camaras do CCRD os parâmetros exatos de possíveis novos testes, também se espera que a TellHD, representante da Ibiquity no Brasil, entregue os dados solicitados pelo MiniCom para poder avançar nos critérios de comparação.
Pode demorar ainda algumas semanas para a apresentação dos parâmetros exatos, mas já Ferreira Lima deu a entender que quer analisar nos novos testes “todas as faixas do FM”, o funcionamento de emissoras de baixa potencia e a transmissão pelas ondas curtas (OC). Esse anúncio foi visto como interessante pelos representantes de rádios comunitárias e públicas presentes. Porque um bom funcionamento de transmissores FM de distintas potências no âmbito digital é fundamental para garantir a futura existência das rádios comunitárias. Por outro lado, as rádios publicas que transmitam por ondas curtas, gostariam de conhecer melhor as características de transmissões digitais nessas faixas. Enquanto uma nova comparação dos dois padrões na banda FM talvez poderia causar surpresas, nas OC o “vencedor” já se conhece, porque o HD Radio não tem capacidade para digitalizar sinais nessa banda. Mas como indicou Ferreira Lima, “o objetivo não é falar que sistema é bom ou ruim, mas ajudar indicar ao radiodifusor que sistema é bom pra ele.”
Acesso amplo
O CCRD se preocupa não somente com os difusores, mas também com os ouvintes, que também no futuro deveriam gozar de um acesso amplo e “uma cobertura igual a analógica”. Por isso, conhecer melhor as características dos sistemas digitais é fundamental. Na sessão, os representantes do DRM renovaram o seu compromisso de poder oferecer transmissões em todas as faixas, também fora da banda FM, caso isso facilite uma primeira introdução do rádio digital. Enquanto o HD Radio pode ganhar pontos com a ampla fabricação de receptores. Disse ter “100 modelos na mesa”. Mas deve-se considerar que isso somente se refere a receptores na banda FM, fabricados principalmente para a recepção de emissoras de alta potência. Por isso, quão relevante será o fato de que nos Estados Unidos 32 fabricantes de carros já instalam receptores para HD Radio nos veículos? Um participante da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) parece ter dúvidas e pediu para lembrar todas as distintas situações nas quais se ouve rádio no Brasil. “Tem que levar em conta as pessoas que estão ouvindo musica clássica na Rádio MEC de altíssima qualidade, tanto como o capitão de um barquinho no Amazonas. É importante garantir essa riqueza de recepção.”
Até agora não é possível saber se a digitalização vai poder recriar as características do rádio analógico 100%. Mas é importante, como falou uma representante das rádios comunitárias “garantir a recepção universal, a pública e a privada. Devem-se incluir todas as possibilidades de recepção.” Introduzir o rádio digital não significa querer terminar com as emissoras analógicas. Faz mais sentido em pensar complementar a paisagem radiofônica existente pelo potencial digital, por exemplo a sua possibilidade de criar programas e conteúdos interativos. Agora se poderia argumentar que isso já existe na Internet, com um smartphone tudo mundo já pode interagir onde quiser. Mas não é “todo mundo” como esclareceu uma intervenção da ANATEL que lembrou que dois terços dos brasileiros e brasileiras hoje usam planos pré-pagos nos seus celulares. “Por isso, ter um chip de rádio digital no celular poderia ser um plano de fuga de ter que pagar pela recepção por banda móvel. Isso é mais que uma questão técnica.”
Audiência publica
O rádio digital nunca foi uma questão meramente técnica, senão sempre vai ser o resultado de um diálogo entre possibilidades de transmissão e os interesses de distintos grupos fazendo e ouvindo rádios. Rádios comunitárias têm as suas próprias exigências e necessidades. Por isso é importante exigir tanto informação sobre a implementação do rádio digital como fazer propostas que partem da própria realidade dessas emissoras. A anunciada audiência pública de rádios comunitárias de Santa Catarina, que fazem parte da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), sobre o tema é mais um passo importante para fazer ouvir as vozes dos comunicadores comunitários. Tanto Abraço quanto Amarc estarão presentes também nas próximas sessões no CCRD. Além disso, vamos responder na página da Amarc Brasil as perguntas mais recorrentes sobre o rádio digital nas próximas semanas. Fiquem atentos…
(por Nils Brock)
Para saber mais:
http://amarcbrasil.org/o-futuro-da-radio-digital-se-faz-agora/